sábado, 27 de novembro de 2010

que doí mais do que a palavra dor


"Nenhuma palavra dói mais do que a ausência de palavras. Você não é tolo e sabe muito bem disso. Você me impunha um silêncio devastador. Sumia, não dava notícias, fazia de propósito, queria me ver chegar perto da morte, paralisada, sem forças. Eu esperava o telefone tocar, ele não tocava. (...) Esperava o apito do meu computador avisando a chegada de um novo e-mail, ele não apitava. Esperava uma carta, um sinal de fumaça, uma mensagem no celular, esperava que você aparecesse e trouxesse consigo alguma palavra. Esperava e esperava e esperava. E você não vinha. Você me deixava a sós com esse silêncio que dói mais do que um grito arranhado, do que um corte profundo na carne, que dói mais do que a palavra dor".

(A chave da casa, Tatiana Salem Levy, Ed. Record, P. 139)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

sempre e sempre.


"LUÍSA - Teria sido preferível que você partisse para a legião estrangeira depois daquele encontro... ah, teria sido o perfeito: um homem que me dava o maravilhoso e depois ia embora, sem tempo para me magoar, sem tempo de matar o sonho... nunca mais foi assim, nunca mais aquele encontro das primeiras descobertas... eu sabia que ia ser diferente da próxima vez, quando me despedi de você... mas, inevitavelmente, eu iria me encontrar com você e voltar, sempre e sempre, esperando que se repetissem a leveza e a entrega do primeiro encontro... mas isso parecia irrecuperável... não, você não era o Gary Cooper, nem nenhum daqueles galãs gentis do tempo da minha mãe... não, você não iria para a legião estrangeira, nem para a China, nem para nenhum lugar distante... eu teria que te ver todos os dias e, dia a dia, me entregar à tua maldição porque o meu lado escuro, essa parte maldita de mim, há tanto tempo adormecida, já tinha sido despertada e reconhecia em você o sujeito da minha perdição".

(Teatro Completo - Maria Adelaide Amaral, peça: De braços abertos, p. 191-192, Ed. Global)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

foi então que percebi

- Foi então que percebi que amar...
- Não tem remédio? – antecipa-se Gustavo, completando a frase de Luísa.
- Não... – ri, triste. – Não estou citando o Caio Fernando Abreu. A frase é minha: foi então que percebi que amar é perder a dignidade. - encosta a cabeça no ombro do amigo e suspira, durante o intervalo do filme antigo que assistem na TV, na sala branca dela.
- Ah, Luísa – faz um leve afago nos cabelos dela – Qual é o problema de descer do salto uma vez? Pronto: desceu e já subiu. És tão exigente com você mesma. Deveria exigir mais dos outros também. Nada de aceitar restos e migalhas.
- Você acredita que eu exijo pouco e ainda assim... Enfim, imagine só se pedisse demais...”

(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)

domingo, 21 de novembro de 2010

“Olha, eu sei que o barco tá furado e sei que você também sabe, mas queria te dizer pra não parar de remar, porque te ver remando me dá vontade de não querer parar também. Tá me entendendo? Eu sei que sim. Eu entro nesse barco, é só me pedir. Nem precisa de jeito certo, só dizer e eu vou. Faz tempo que quero ingressar nessa viagem, mas pra isso preciso saber se você vai também. Porque sozinha, não vou. Não tem como remar sozinha, eu ficaria girando em torno de mim mesma. Mas olha, eu só entro nesse barco se você prometer remar também! Eu abandono tudo, história, passado, cicatrizes. Mudo o visual, deixo o cabelo crescer, começo a comer direito, vou todo dia pra academia. Mas você tem que prometer que vai remar também, com vontade! Eu começo a ler sobre política, futebol, ficção científica. Aprendo a pescar, se precisar. Mas você tem que remar também. Eu desisto fácil, você sabe. E talvez essa viagem não dure mais do que alguns minutos, mas eu entro nesse barco, é só me pedir. Perco o medo de dirigir só pra atravessar o mundo pra te ver todo dia. Mas você tem que me prometer que vai remar junto comigo. Mesmo se esse barco estiver furado eu vou, basta me pedir. Mas a gente tem que afundar junto e descobrir que é possível nadar junto. Eu te ensino a nadar, juro! Mas você tem que me prometer que vai tentar, que vai se esforçar, que vai remar enquanto for preciso, enquanto tiver forças! Você tem que me prometer que essa viagem não vai ser a toa, que vale a pena. Que por você vale a pena. Que por nós vale a pena. Remar. Re-amar. Amar.” Caio Fernando de Abreu

encerrar ciclos.

“Enquanto não encerramos um capítulo, não podemos partir para o próximo. Por isso é tão importante deixar certas coisas irem embora, soltar, desprender-se. As pessoas precisam entender que ninguém está jogando com cartas marcadas, às vezes ganhamos e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.”

Fernando Pessoa.

sábado, 13 de novembro de 2010

Tentaram me fazer acreditar que o amor não existe e que sonhos estão fora de moda. cavaram um buraco bem fundo e tentaram enterrar todos os meus desejos, um a um, como fizeram com os deles. mas como menina-teimosa que sou, ainda insisto em desentortar caminhos. em construir castelos sem pensar nos ventos. em buscar verdades enquanto elas tentam fugir de mim. a manter meu buquê de sorrisos no rostos, sem perder a vontade de antes. porque aprendi com a dona chica, que a vida, apesar de bruta, é meio mágica. dá sempre pra tirar um coelho da cartola. e lá vou eu, nas minhas tentativas, às vezes meio cega, às vezes meio burras, tentar acertar os passos. sem me preocupar se a próxima etapa será o tombo ou o voo. eu sei que vou. insisto na caminhada. o que não dá é pra ficar parado. se amanhã o que eu sonhei não for bem aquilo, eu tiro um arco-íris da cartola. e refaço. colo. pinto e bordo. porque a força de dentro é maior. maior que todo mal que existe no mundo. maior que todos os ventos contrários. é maior porque é do bem. e nisso, sim, acredito até o fim. (caio fernando abreu)

domingo, 7 de novembro de 2010

" - Engraçado, eu nunca havia acreditado muito em breves encontros que mudam uma vida - divaga Luísa.
- Para mudar uma vida, tem que ter encontro. E eles começam pequenos, porque o começo é assim, é começo, nem meio nem fim, mas já é a ponta da linha que se arrasta - diz Bê".


(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mesmo que não o diga, você sempre sabe do que estou falando. Porque a gente sempre sabe.

"Porque você sabe, você sabe do que eu estou falando. Mesmo que não o diga, você sempre sabe do que eu estou falando. Porque a gente sabe. Porque há um elo invisível que nos une. Como uma música, aquela música que tocava aquele dia, lembra? Quando passávamos por aquele lugar e você olhou para mim e disse e olhou e riu e passou os dedos pelo meu rosto. Naquele exato momento, a música que tocava e nos acompanhava, os nossos risos, os nossos gestos, a música que ficara impregnada na memória junto àquele gesto, àquele amor, lembra? Porque depois, depois, ainda que o tempo passe e que eu passe e que você passe, ainda que, depois, cada vez que a música por acaso e qualquer lugar, uma festa, um filme, uma estação de trem, a música e tudo aquilo que ficou impregnado. Lembra?"

(Flores Azuis, Carola Saavedra, p. 60, Ed. Companhia das Letras)