domingo, 31 de outubro de 2010
Sempre acaba voltando
"(...) Quando pensava em parar, o telefone tocou. Então uma voz que eu não ouvia há muito tempo, tanto tempo que quase não a reconheci (mas como poderia esquecê-la?), uma voz amorosa falou meu nome, uma voz quente repetiu que sentia uma saudade enorme, uma falta insuportável, e que queria voltar, pediu, para irmos às ilhas gregas como tínhamos combinado aquela noite. Se podia voltar, insistiu, para sermos felizes juntos. Eu disse que sim, claro que sim, muitas vezes que sim, e aquela voz repetiu e repetia que me queria desta vez ainda mais, de um jeito melhor e para sempre agora".
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
E o que passou, calou/ E o que virá, dirá
"- Como é bom, Luísa... - Stan murmura de olhos fechados, com a cabeça deitada no colo dela. Luísa sorri enquanto acarinha seus cabelos.
- Sim... - Pára subitamente, como quando tem uma ideia. Ajeita-se melhor no seu sofá branco. - Então vamos combinar uma coisa?
- Hmmmmmm? - pergunta ele, sem abrir os olhos.
- Sem grandes angústias dessa vez? Vamos tentar? Quer dizer, vais viajar, é fim de ano, não devemos nos ver tão cedo, creio eu. Você é a saudade que eu gosto de ter... - Inclina-se e o beija levemente, no pescoço.
Stanley ri, mordaz.
- Claro, Bonitinha, é tão simples. Minha Annie Hall de repente virou Pollyanna. Onde queres que eu assine?".
(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)
- Sim... - Pára subitamente, como quando tem uma ideia. Ajeita-se melhor no seu sofá branco. - Então vamos combinar uma coisa?
- Hmmmmmm? - pergunta ele, sem abrir os olhos.
- Sem grandes angústias dessa vez? Vamos tentar? Quer dizer, vais viajar, é fim de ano, não devemos nos ver tão cedo, creio eu. Você é a saudade que eu gosto de ter... - Inclina-se e o beija levemente, no pescoço.
Stanley ri, mordaz.
- Claro, Bonitinha, é tão simples. Minha Annie Hall de repente virou Pollyanna. Onde queres que eu assine?".
(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)
sábado, 23 de outubro de 2010
Dor de amor
Outro dia me perguntaram como se cura dor de amor. Ah, gente, não sei. Realmente não sei. Me desculpem. Se existisse fórmula seria fácil. Mas não tem. E a única coisa que a gente não quer saber é de fórmulas quando o coração está em pedaços. Não adianta alguém falar "vai passar" porque a única resposta que vem nessas horas é uma pergunta: QUANDO? E ninguém sabe o tamanho do tempo e a gente acha que o mundo acabou, que o amor é marketing, enxerga qualidades onde a pessoa (aquela ingrata!) não possui e se vê num questionamento interior que não tem fim (e muito menos respostas): por quê? onde errei? E outras que nem preciso enumerar porque são sempre as mesmas. Só muda o objeto do amor e a intensidade do sentimento. Você pode ter conhecido a pessoa há uma semana mas tem certeza que é o amor da sua vida, a razão de tudo, a tampa da panela. Ah, então tá. E as amigas te consolam, a maquiagem borra e todo mundo come chocolate junto, enquanto a frase que mais odiamos ecoa no ar "se o sujeito não te quer é melhor você ficar sem ele". Ai, hora do choro aumentar! Pra amenizar, alguém diz que a atual do cara é uma sonsa. Han? Como assim? Você vai dizer: antes tivesse me trocado por alguém melhor do que eu! Estou certa? Pois é. E você sofre. Faz drama. Drama, não, dramalhão. Afinal você ama aquele filho-da-mãe de um figa que deixou seu orgulho ferido e sua auto-estima no chão. E a gente esquece os defeitos dele, esquece que ele tem manias estranhas e esquece também que, no fundo, não via futuro pra vocês dois. Verdade? Não, nessas horas nada é verdade. Sofrer por amor cega, dá uma super inspiração e deixa nossas mães preucupadas, essa é a unica verdade. Eu já tomeio pés-na-bunda consideráveis e acho que se a Jeniffer Aniston pode, que sou eu pra fugir da regra. Já me disseram NÃO e nem por isso sou menos inteligente, menos legal, menos louca, menos linda, menos tudo, menos nada. A única coisa que tenho certeza é que eu NÃO ERA a pessoa certa pra aquele cara. Pelo menos naquele momento. Olha que simples. E sem aquela teoria furada de que o moço tem medo, algum trauma de infância e signo complicado. Quando a gente quer de verdade - meninas, acordem! - a gente vai até o inferno, desfaz casamentos, paga pra ver, apela para a baranguice e canta "Baby, come back" debaixo da janela. Porque o amor é brega. E disso ninguém escapa. Então, vamos aproveitar nosso minuto de lucidez (enquanto não caímos na teia do amor de novo) e apreder de uma vez por todas: não é pra gente se achar um lixo quando o amor acaba. Não é pra gente imaginar que a atual do seu ex é perfeita (acredite: elas nunca são). E definitivamente a gente não vai amar uma pessoa que não ama a gente. E ponto.
Fernanda Mello.
Eterno
"Você não existe. Eu não existo.
Mas estou tão poderoso na minha sede que inventei a você para matar a minha sede imensa.
Você está tão forte na sua fragilidade que inventou a mim para matar a sua sede exata.
Nós nos inventamos um ao outro porque éramos tudo o que precisávamos para continuar vivendo.
E porque nos inventamos um ao outro, porque éramos tudo o que precisávamos, para continuar vivendo.
E porque nos inventamos, eu te confiro poder sobre o meu destino e você me confere poder sobre o teu destino.
Você me dá seu futuro, eu te ofereço meu passado.
Então e assim, somos presente, passado e futuro.
Tempo infinito num só, esse é o eterno."
Mas estou tão poderoso na minha sede que inventei a você para matar a minha sede imensa.
Você está tão forte na sua fragilidade que inventou a mim para matar a sua sede exata.
Nós nos inventamos um ao outro porque éramos tudo o que precisávamos para continuar vivendo.
E porque nos inventamos um ao outro, porque éramos tudo o que precisávamos, para continuar vivendo.
E porque nos inventamos, eu te confiro poder sobre o meu destino e você me confere poder sobre o teu destino.
Você me dá seu futuro, eu te ofereço meu passado.
Então e assim, somos presente, passado e futuro.
Tempo infinito num só, esse é o eterno."
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Imprevisível
“(...) Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar.
(...) Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você.
(...) Cometa bobagens. Ninguém lembra do que foi normal.
Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade”.
(Crônica "Imprevisível", in: O Amor Esquece de Começar, Carpinejar)
(...) Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você.
(...) Cometa bobagens. Ninguém lembra do que foi normal.
Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade”.
(Crônica "Imprevisível", in: O Amor Esquece de Começar, Carpinejar)
domingo, 17 de outubro de 2010
Lírica, Trágica e Cómica
"Jerusa dizia que as paixões tem três fases: lírica, trágica e cómica. A lírica define-se pela lucidez e pelo encantamento.
- a chamada fase das borboletas, entende? Quando você tem borboletas voando dentro do estômago.
(...) A fase trágica, continua Jerusa, é a da concentração obsessiva no ser amado, também conhecida como período do terramoto, quer porque a cidade inteira pode cair sem darmos conta disso, quer porque a mínima decepção é um terramoto; a fase cómica seria a do desmoronamento final.
- Como uma pintura cubista. O amado se desfigura diante de nossos olhos, se transforma numa composição dissonante. E aí você não tem nem como chorar. Então o nosso riso é um uivo, enquanto rolam dentro de nós pedras de gelo.
Nas paixões brutais essas três fases podem se suceder, num atropelo, em apenas um dia.
Jerusa caída à porta de um bar na noite de Lisboa, esgotadas todas as fases.
- Porque é que estou bem mais perto de você do que você de mim?
- Como é que você pode ser tão meu, e não entender isso?
- Não se preocupe meu bem, estou seguindo as regras do AA (Apaixonados Anônimos): um dia atrás do outro. Devagarzinho".
(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 189-190)
sábado, 16 de outubro de 2010
Que seja doce se vier
"- Não acho uma decisão boa, nem ruim, Camille. É uma escolha. Que já conheces o roteiro. Também vejo que a decisão é, um pouco, tomada pelo fato de que pensas que nenhum homem a espera no seu caminho. Você me disse ontem ao telefone isso. Sempre pensei assim. Começo a reformular a ideia. De apenas estar só, sem um alguém a me esperar, ou me salvar de algo. E que seja doce o que aconteça, se vier - Luísa franze a testa.
- Eu me sinto uma fraude no gueto dos transbordantes. Vão barrar minha entrada, rasgar minha carteirinha - Camille ri.
- Não és uma fraude. Só não pense que sua escolha vai te fazer transbordar menos, doce ilusão.
- Hmmmm.
- Sabes que eu a amo e quero que fiques bem. Com o João, José, Paulo, Marcelo, Zé das Couves, sozinha. Como for.
- Eu sei. Aprendi contigo que amor não se agradece, mas você não sabe o quanto é essencial na minha vida. Vamos colocar mais prosa em nossas vidas. Objetivo do momento, pode ser?
- E menos poesia? Vou tentar..."
(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Fio por fio.
"Você só esvazia o drama falando sobre ele. O trabalho de luto consiste também em falar sem parar sobre o assunto, até esvaziá-lo. Quando se perde a pessoa amada, é preciso falar sobre ela, fio por fio, para desinvestir a libido colocada nessa pessoa. Assim pode-se recuperar a libido para amar novamente. Quem não desinveste, pode estraçalhar-se depois".
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
É estúpido - e humano também
“- Bonitinha, como estás? – Stan ao telefone, com voz animada.
- Stan! – ela sorri e larga o livro que estava lendo – Bem, e você? Como foi o congresso em, no... Onde era mesmo? – tenta recordar-se, em vão.
- Espanha. Estou aqui ainda, no aeroporto. Foi bom. Muitas menininhas vieram falar comigo ao final da palestra. Dou atenção, pergunto o nome delas e elas dormem felizes – dá uma risada sarcástica.
- Sei, você não tem paciência com menininhas, de qualquer modo – Luísa fala, com certo descaso – Aliás, você me liga uma e meia da manhã para dizer isto?
- E você fica puta ao ouvir. Mas vai negar. Vai Luísa, nega – provoca-a rindo – Liguei porque senti saudades.
- Eu já tive vinte anos, sei como é – ri – Não fico mais. Há tempos não me permito sentir ciúmes de você. É estúpido.
- Não é não. É humano”.
(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)
- Stan! – ela sorri e larga o livro que estava lendo – Bem, e você? Como foi o congresso em, no... Onde era mesmo? – tenta recordar-se, em vão.
- Espanha. Estou aqui ainda, no aeroporto. Foi bom. Muitas menininhas vieram falar comigo ao final da palestra. Dou atenção, pergunto o nome delas e elas dormem felizes – dá uma risada sarcástica.
- Sei, você não tem paciência com menininhas, de qualquer modo – Luísa fala, com certo descaso – Aliás, você me liga uma e meia da manhã para dizer isto?
- E você fica puta ao ouvir. Mas vai negar. Vai Luísa, nega – provoca-a rindo – Liguei porque senti saudades.
- Eu já tive vinte anos, sei como é – ri – Não fico mais. Há tempos não me permito sentir ciúmes de você. É estúpido.
- Não é não. É humano”.
(Cadernos de Luísa, Vanessa Souza Moraes)
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Não há raivoso burro
Não há raivoso burro - Carpinejar
"(...) - O que sinto? Não sei o que sinto, estou pensando agora no que sinto e não estou gostando nem um pouco.
(...) - Ai me achega uma preguiça do que não vivi.
(...) Para destruir, montamos e desmontamos o dicionário com afinco, puxamos as piores fragilidades para sangrar. Criamos até neologismos. No momento da briga, ninguém segura o verbo. Não há raivoso burro. Não há raivoso com língua presa. Não há raivoso gago. Um Padre Antonio Vieira acorda na acusação apontando os dedos ao destino.
No momento da paz, o verbo é travado. Parece que não precisamos fazer mais nada, a não ser recorrer às exclamações. Observamos nossa namorada e nos tranquilizamos com "bonita", "linda", "maravilhosa", "incrível", "fabulosa". Ela vai se tornando igual às outras. Não criamos gentilezas novas, não nos esforçamos para a homenagem. Não duvidamos do que sopramos para fora.
Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?".
(Crônica: Preguiçoso no elogio - de: Mulher Perdigueira, Carpinejar, Ed. Bertrand Brasil, p. 101-102)
"(...) - O que sinto? Não sei o que sinto, estou pensando agora no que sinto e não estou gostando nem um pouco.
(...) - Ai me achega uma preguiça do que não vivi.
(...) Para destruir, montamos e desmontamos o dicionário com afinco, puxamos as piores fragilidades para sangrar. Criamos até neologismos. No momento da briga, ninguém segura o verbo. Não há raivoso burro. Não há raivoso com língua presa. Não há raivoso gago. Um Padre Antonio Vieira acorda na acusação apontando os dedos ao destino.
No momento da paz, o verbo é travado. Parece que não precisamos fazer mais nada, a não ser recorrer às exclamações. Observamos nossa namorada e nos tranquilizamos com "bonita", "linda", "maravilhosa", "incrível", "fabulosa". Ela vai se tornando igual às outras. Não criamos gentilezas novas, não nos esforçamos para a homenagem. Não duvidamos do que sopramos para fora.
Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?".
(Crônica: Preguiçoso no elogio - de: Mulher Perdigueira, Carpinejar, Ed. Bertrand Brasil, p. 101-102)
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